-humor
devia-se à derrota do Palmeiras...
-Prá que essas besteiras? Não podia
ver o jogo pela televisão? Pois amanhã
vou acordá-lo mais cedo ainda, pra ir pra
escola, que é pra ele aprender a deixar
de ser besta e deixar de ver jogo no estádio.
Pela televisão não é a mesma
coisa?
Desconfio de tanto mau-humor. Meu pai vivia sempre
de bem com a vida... Por que agora acordar meu
filho mais cedo? Senti no ar um cheiro de vingança.
Quem sabe suas críticas escondessem a vontade
de ter ido também ao Pacaembu?
Nisso
chega meu filho. Cara feia, reclamando que nunca
viu um jogo mais porcaria. Um time tão
ruim ganhar do Palmeiras. Além de tudo,
quase não viu os jogadores. Péssimo
ver jogo no estádio...
“Não foi sua miopia?” Penso,
mas não digo nada a ele. Mãe não
gosta de ver filho triste. Ainda que o motivo
seja a vitória do seu time (dela, mãe)
sobre o do filho. Converso apenas com meus botões.
Sou a única corintiana da família.
O avô, irônico, na cadeira de balanço,
até esboça um sorriso: “vi
tudo pela tevê...”
Depois do banho tomado, meu filho preparava-se
para dormir quando começa a me contar,
como se eu não soubesse:
-Mã, a coisa mais bonita do mundo é
ser corintiano.
E me fala dos balões que os Gaviões
da Fiel soltaram antes do jogo, com porcos pendurados.
Descreve as bandeiras agitadas no estádio,
a vibração da torcida, e dentro
de mim desconfio desse palmeirense que fala com
tamanho entusiasmo do Corinthians.
Ele se dá conta de que exagerou. Que vou
ficar muito ancha. Pra um palmeirense não
ficava bem tanta admiração. Ainda
mais levando-se em conta que estava ali, diante
de uma corintiana, e volta a reclamar:
-Até dor de cabeça que nunca senti,
estou sentindo. Porcaria de jogo!
Penso nas gozações que ele, o avô
e meus sobrinhos fazem de mim quando meu time
perde, mas minha grandeza de alma corintiana não
me permite extravasar o sentimento de vitória.
Desfraldo bandeiras brancas e pretas dentro do
peito, meus olhos marejam a cada gol, mas sendo
minoria, recolho-me à minha insignificância.
E domingo agora, ao ver meu filho e meu neto Otávio,
comentando o jogo, não vi entusiasmo de
palmeirenses, mas sim uma admiração
enorme por Ronaldo.
Fui buscar no meu diário as anotações
que fiz naquela noite distante. E vi uma situação
parecida. Meu pai já não está
mais aqui, agora são pai e filho comentando
o jogo. E a conversa girava em torno do gol do
Ronaldo, o desempenho do Ronaldo, e a persistência
do Fenômeno.
A vida se renova a cada jogo, a cada geração,
pensei. E me senti feliz por vê-los comentarem
sem nenhum despeito, ao contrário, com
muita admiração, o exemplo de persistência
que o Fenômeno tem dado a todo o povo brasileiro.
Por vê-los constatar que Ronaldo é
maior que qualquer camisa que vista, aqui ou no
exterior.
E eu que antes só acompanhei a vida de
Garrincha, fico encantada ao ver o Fenômeno
declarar aos repórteres suas angústias,
suas indecisões, e corajosamente olhar
pra câmara e dizer: eu sei que cometo erros,
sou igual a todo mundo, sou gente. E acho que
é isso que o faz ser tão amado pelo
povo brasileiro. Ronaldo cai e se levanta, erra
e pede desculpas, como só os grandes sabem
pedir... É...Ronaldo deve ser nosso espelho.