Se os números seguirem a tendência
da última década, em 2010 pelo menos
11 mil brasileiros vão morrer por
causa da Aids. O país é considerado
um lugar onde a doença é bem controlada,
mas desde o final da década de 1990,
quando houve uma redução drástica
nas mortes por causa da introdução
de novos medicamentos, os casos
de morte vêm subindo lentamente.
Para o médico infectologista Esper
Kallás, pesquisador da Faculdade
de Medicina da USP, menos pessoas
poderiam morrer se fizessem mais
cedo o exame para detectar HIV,
o vírus causador da Aids. "De
cada cem pessoas que fazem o diagnóstico,
16 morrem no primeiro ano",
afirma. O problema, segundo o médico,
é que a descoberta da infecção é
feita muito tarde, quando doenças
graves já se instalaram por causa
da baixa imunidade causada pela
Aids. |
O
Ministério da Saúde confirma que
esse é um dos maiores desafios no
combate à doença. "Estimamos
que 255 mil pessoas tenham HIV no
Brasil e não saibam. Essas pessoas
estão em todas as faixas da população:
pobres e ricos, homens e mulheres,
gays e heterossexuais", informa
o diretor adjunto do Departamento
de DST, Aids e Hepatites Virais,
Eduardo Barbosa. Inicialmente, o
G1 informou, erroneamente, que o
número seria de 355 mil pessoas. |
Infecções
oportunistas
Segundo o cínico-geral Teodoro Suffert,
muitas pessoas acabam descobrindo
que têm a doença por causa de uma
infecção oportunista. "Pode
ser tuberculose, emagrecimento,
diarreia crônica. A forma de apresentação
é variável", conta o médico,
que há 17 anos atende pacientes
com HIV na rede pública de Porto
Alegre, a capital brasileira com
a maior incidência de infecção pelo
vírus.
Um dos fatores que contribui para
que pessoas fujam do exame é o preconceito
contra portadores de HIV, defende
Jorge Beloqui, da ONG Grupo de Incentivo
à Vida, em São Paulo, que luta pelos
direitos dos soropositivos.
"Você tem que ter uma boa estrutura
psíquica para ser capaz de fazer
esse exame e encarar um resultado
positivo. Conhecemos várias pessoas
que tinham sintomas importantes
[de AIDS] e não queriam fazer",
relata.
O médico da USP concorda. "A
carga social relacionada ao diagnóstico
de HIV no Brasil ainda é muito grande.
A chance de alguém pegar hepatite
B, por exemplo, é maior do que a
de pegar HIV, mas ninguém tem medo
de fazer teste de hepatite B."
Testes rápidos
Os testes de HIV são gratuitos.
Segundo o Ministério da Saúde, em
2008 foram feitos 6,4 milhões desses
exames no país. Em 2009, o número
subiu para 7,4 milhões. "Quarenta
por cento da população sexualmente
ativa já fez o teste uma vez na
vida. O ideal é que todas as pessoas
que estejam em situação de vulnerabilidade
possam se testar, diz Eduardo Barbosa.
O aumento se deve principalmente
à introdução de testes rápidos,
em que o paciente pode saber o resultado
em cerca de 30 minutos. Eles já
representam um terço do total de
exames e, segundo o ministério,
são tão confiáveis quanto os testes
tradicionais conhecidos como "Elisa",
em que as pessoas demoram até 15
dias para saber se têm HIV.
De acordo com Barbosa, em ambos
os exames há um acompanhamento psicológico
para o paciente. "Fazemos um
pré-aconselhamento, que explica
como é o teste e o que vem após
ele. No momento da entrega tem o
pós-aconselhamento. Se o resultado
é negativo explicamos que a pessoa
não deve se expor novamente. Se
é positivo aconselhamos o começo
de um tratamento."
Remédios
Ainda que as pessoas saibam que
têm HIV, nem todos conseguem ou
estão dispostos a fazer o tratamento
com medicamentos antirretrovirais,
e esse é um outro problema que faz
aumentar o número de mortes por
Aids no Brasil, segundo os especialistas
ouvidos pelo G1.
Esses remédios, que começaram a
ser distribuídos gratuitamente no
Brasil em 1996, revolucionaram o
tratamento da doença. Em dois anos,
a taxa de mortalidade da Aids foi
estabilizada (veja gráfico acima),
apesar do número de casos continuar
subindo.
O medicamento diminui a quantidade
de vírus no sangue, reduzindo também
o risco transmissão. "Se uma
pessoa tem quase nenhum vírus no
sangue, existe um risco teórico
de contaminação, mas é muito próximo
de zero. Se você conseguisse tratar
todo mundo com sucesso, bloquearia
a transmissão", informa Kallás,
da USP.
Resistência
O infectologista aponta, contudo,
que muitas pessoas não conseguem
fazer o tratamento, apesar do acesso
gratuito aos remédios. "São
moradores de rua, doentes mentais,
dependentes químicos, pessoas que
têm uma situação social muito desprivilegiada."
Para o médico Teodoro Suffert, do
Rio Grande do Sul, muitos não tomam
o remédio porque entram em depressão
depois que descobrem a doença. "Os
serviços que atendem Aids tinham
que ter como sala principal a do
psiquiatra", defende.
"Também tem muita gente que
tem aversão à medicação. Isso foi
visto recentemente na vacinação
contra a nova gripe. Uma dificuldade
óbvia de se tomar remédios contra
a Aids é que isso concretiza, realiza
o fato de que a pessoa precisa de
tratamento", afirma Beloqui,
da ONG paulistana.
Ele acrescenta que esse efeito aumenta
quando há falta de medicamentos
na rede pública de saúde, como está
ocorrendo agora com o remédio Abacavir.
"Trocar de medicamento não
é simples. Às vezes as pessoas têm
efeitos colaterais indesejáveis
com novas terapias".
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