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Dr.
Delorme Martins é médico, residente de Ipirá
(Bahia) tem 92 anos de idade e mais de sessenta
de exercício da Medicina e ainda continua
atendendo todas terças e quintas em seu
consultório que fica na frente de uma praça
no centro da cidade. Conta-se que já foi
prefeito da cidade, já fez parto de menino
de duas cabeças e já foi preso político
na ditadura. Confira um pouco mais da história
peculiar deste médico.
Uma
pequena biografia
Delorme
Martins nasceu em Baixa Grande no ano de
1918, mas foi criado em Macaúbas, cidade
próxima. Quando terminou a escola foi para
Salvador cursar medicina seguindo a sina
do pai e do avô, ambos médicos. Lá, foi
um dos fundadores da União Nacional dos
Estudantes (UNE). Após sua graduação, o
então formado doutor voltou à Ipirá para
trabalhar com o pai. Ainda no ano de 1946,
Dr. Delorme fundou junto
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com
o colega Elziro Macedo a primeira clinica da cidade,
a Santa Helena. Sua intenção era a de unir atendimento
e cirurgia em um local. “Nossa idéia era a de
não precisar mandar tanta gente para os hospitais
de Feira de Santana e Salvador” - explicou. E
deu certo. A clínica funciona até hoje, e estima-se
que já tenha atendido pelo menos 100 mil pacientes
e realizado mais de 15 mil partos.
Com o sucesso da clínica e seu reconhecimento
na região, Dr. Delorme fortaleceu-se na esfera
política e tornou-se prefeito de Ipirá em 1962,
tendo governado a cidade “bem no começo dos anos
da revolução”. Durante a ditadura foi preso duas
vezes. “Fui de esquerda, socialista, sabe como
é, né? Apesar de tudo, as prisões eram muito interessantes.
A gente crescia muito politicamente”, revelou
Delorme, que já ficou preso quatro dias no quartel
do Largo dos Aflitos e um dia em Feira de Santana.
Após a experiência de comandar a prefeitura, o
médico ainda participou por muitos anos da vida
da cidade “fazendo prefeitos” como ele mesmo coloca.
Em 1975, com a clientela da clínica crescida,
Delorme “convocou” o filho, Luiz Carlos, e o genro,
Roberto, médicos que estavam em São Paulo de volta
para Ipirá, para ajudarem na Santa Helena. O “chamado
de mestre” funcionou e não somente trouxe dois
médicos como também dois futuros prefeitos: Dr.
Roberto Cintra foi autoridade máxima municipal
de 1982 a 1986 e Dr. Luiz Carlos Martins de 1997
a 2004.
Em 1995, Delorme passou por um susto. Já com 77
anos, teve um enfarto e precisou viajar para colocar
uma ponte de safena e fazer um longo tratamento.
O retorno à cidade emocionou a população, que
fez festa na praça e cortejo nas ruas para recebê-lo.
O episódio não lhe impediu de continuar clinicando
e realizando partos até um par de anos atrás.
Peripécias
Quando Dr. Delorme iniciou sua carreira de médico
os tempos eram outros. Na medicina imperava fortemente
a figura do médico de família, e nas cidades menores
do interior havia uma figura que podia ser denominada
inclusive de médico da cidade. As condições de
atendimento também não eram as melhores e uma
das atividades que demandavam a assistência médica
com mais freqüencia, “o parto”, tinha de ser realizado,
por vezes, de maneiras inusitadas e improvisadas.
O médico era um verdadeiro artesão. “Na obstetrícia
as mãos são muito importantes, até mesmo para
não estragar a mulher”, contou Delorme. Mas não
foi só de habilidades e talento que dependeu para
superar as dificuldades daqueles tempos. A paixão
pelo trabalho, coragem e solidariedade lhe levaram
a fazer algumas peripécias como ir algumas vezes
disparado, a cavalo, fazer um parto no meio de
uma noite de tempestade contra os pedidos da esposa.
E entre suas histórias contadas pelos moradores
de Ipirá a mais famosa é a de uma criança de duas
cabeças que Dr. Delorme trouxe ao mundo...
Dr. Delorme conta que já hospedou doentes em sua
casa e que os convidava para acompanhá-lo nas
refeições. Era comum que sua esposa encontrasse
a casa cheia de pacientes. Outra coisa que nunca
exigiu de seus pacientes foi pagamento: “Se não
pudessem pagar não pagavam. O que ocorria muitas
vezes é que tive que aceitar galinhas ou outros
objetos como pagamento. Se não aceitasse era uma
desfeita, porque para a família eram coisas importantes”,
contou.
Dona
Catarina
Paralelamente à sua história política e profissional
Delorme construiu, junto com sua esposa, a “Professora
Catarina”, uma trajetória imensa de amor. Seu
pai era médico da família dela e se conheceram
ainda muito jovens quando ela tinha apenas 15
anos. “Ficamos noivos quando ele ainda estava
aqui e quando se formou veio direto de Salvador
para cá”, conta Dona Catarina, hoje com 90 anos
de idade e 63 de casamento. A relação dos dois
gerou quatro filhos – um deles já falecido - 11
netos e 6 bisnetos. O filho Luiz Carlos é médico
e também já foi prefeito de Ipirá e dentre os
netos já há quem esteja estudando medicina para
continuar infindamente o legado da família.
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