Ida
Bauer aparece nos textos de Sigmund Freud, o pai
da psicanálise, sob o nome fictício de Dora. É
uma moça bonita, de 15 anos, perturbada por tosses
nervosas e incapacidade ocasional de falar. Chegou
ao divã do médico vienense queixando-se de duas
coisas: assédio sexual de um amigo da família
e indisposição do pai em protegê-la. Freud aceitou
os fatos, mas desenvolveu uma interpretação própria
sobre eles. O nervosismo e as doenças se explicavam
porque a moça se sentia sexualmente atraída pelo
molestador, mas reprimia a sensação prazerosa
e a transformava, histericamente, em incômodo
físico. Como Ida se recusou a aceitar essa versão
sobre seus sentimentos, largou o tratamento. Peter
Kramer, biógrafo de Freud, diz que os sintomas
só diminuíram quando ela enfrentou o pai e o molestador,
tempos depois. Freud estava errado; ela, certa.
Anos mais tarde, refletindo sobre a experiência,
Freud escreveu uma passagem famosa: “A grande
questão que nunca foi respondida, e que eu ainda
não fui capaz de responder, apesar de 30 anos
de pesquisa sobre a alma feminina, é: o que querem
as mulheres?”.
Meredith Chivers, uma jovem pesquisadora da Universidade
Queen, no Canadá, acredita que pode finalmente
responder à pergunta. Sem os preconceitos e a
ortodoxia de Freud, e com recursos experimentais
que ele não tinha, reuniu 47 mulheres e 44 homens
em laboratório e aplicou o mesmo teste a todos
eles: viram oito filmes curtos sobre sexo, com
temas variados, enquanto seus órgãos genitais
eram monitorados por sensores capazes de medir
a ereção masculina e a lubrificação feminina.
Ao mesmo tempo, Meredith pediu que indicassem,
num sensor eletrônico, quanto estavam excitados
com cada cena projetada. Essa era a parte subjetiva
do teste.
Os resultados foram sensacionais. Meredith descobriu,
primeiro, que as mulheres, sejam elas hétero ou
homossexuais, se estimulam com uma gama muito
variada de cenas. Homem e mulher transando, mulheres
transando, homens transando, quase tudo foi capaz
de produzir excitação física nas mulheres. Até
cenas de coito entre bonobos (os parentes menores
e mais dóceis dos chimpanzés) causaram alterações
genitais nas voluntárias, embora tenham deixado
os homens indiferentes. Qualquer que seja a sua
orientação sexual, eles parecem ser mais focados
em suas preferências. Homossexuais se excitam
predominantemente com cenas de sexo entre homens
ou com cenas de masturbação masculina. Heterossexuais
se interessam por sexo entre mulheres, sexo entre
homens e mulheres e atividades que envolvam o
corpo feminino, mesmo as não-sexuais. O estudo
sugere que as mulheres são mais flexíveis em sua
capacidade de se interessar. Seu universo sexual
é mais rico.
A
outra surpresa da pesquisa de Meredith, talvez
sua descoberta mais importante, foi a constatação
de que existe uma distância entre o que as mulheres
manifestam fisicamente e o que elas declaram sentir.
As cenas de sexo entre mulheres, por exemplo,
foram as que causaram maior excitação física entre
as mulheres heterossexuais – mas aparecem em segundo
na lista de respostas sobre as imagens mais excitantes.
Ocorre o mesmo com sexo entre dois homens. Os
sensores vaginais mostram ser esse o terceiro
tipo de cena que mais excita as mulheres, mas
ele aparece na quinta posição nas declarações.
O fenômeno de divergência entre corpo e mente
não poupa os macacos. Meredith diz que o relato
subjetivo das mulheres sobre os bonobos não é
coerente com a excitação física que elas demonstram.
“O que eu descobri foi que as mulheres ficaram
fisicamente excitadas (com os macacos), mas não
declararam se sentir dessa forma”, ela disse em
entrevista a ÉPOCA. Os homens demonstram um grau
de coerência mais elevado entre as medidas objetivas
e subjetivas. Eles declaram gostar daquilo que
fisicamente os comove, embora também se confundam
com escolhas, por assim dizer, difíceis. No instrumento
em que registram suas preferências, os homens
heterossexuais marcaram as cenas de masturbação
femininas como as mais excitantes, vencendo por
pouco o sexo entre duas mulheres. Mas os sensores
genitais mostraram coisa diferente: a vitória
pertence claramente às cenas de sexo entre mulheres.
A conclusão é que também entre os homens há uma
diferença entre excitação mental e excitação física,
mas ela parece ser muito menor do que entre as
mulheres.
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