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A
pressão de bolsonaristas poderá ser 'um tiro
pé' para as igrejas evangélicas |
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25/10/2022 |
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SÃO
PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Incomodados com a pressão
política e hostilizados dentro da própria igreja,
evangélicos que não apoiam o presidente Jair
Bolsonaro (PL) têm deixado de frequentar os
templos. O fenômeno ganhou impulso após a eleição
de Bolsonaro, em 2018, e alcançou ainda mais
força agora, na campanha para o segundo turno.
Eles dizem ter visto o púlpito ser usado para
pedir votos ou para condenar opções políticas
alinhadas com a esquerda. Quando se posicionam,
acabam rejeitados ou são afastados de tarefas
nos templos.
"O pastor começou o culto normalmente,
falando de como criar filho, com amor, cuidado
e respeito. Depois falou: 'não deixa seu filho
fazer o 'L' (sinal de apoio a Luiz Inácio Lula
da Silva) em casa, não'", conta a professora
Joana (nome fictício), que frequentava uma igreja
pentecostal no Rio.
"Não voltei. Enquanto não acabar a eleição,
não vou", diz ela, de 43 anos. O desconforto
começou ainda na pandemia, quando chegou a ouvir
que máscaras e vacinas não funcionavam e que
"a garantia era Deus".
Depois, com a proximidade das eleições, ela
e o marido viram a pregação política tomar conta
do púlpito -em geral, ocorre no início ou no
fim do culto e principalmente quando a cerimônia
não é transmitida pela internet, segundo conta.
Na reta final das eleições, Bolsonaro tem buscado
ainda mais apoio entre os evangélicos, onde
já leva vantagem. O presidente tem visitado
igrejas evangélicas às vésperas do segundo turno.
Já o oponente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
tenta acenar para o setor: na semana passada,
divulgou uma carta aos evangélicos com posicionamento
contrário ao aborto e favorável à liberdade
religiosa.
Segundo fiéis ouvidos pela reportagem, a "senha"
na igreja para tentar convencer os eleitores
é dizer que, em uma eventual vitória de Lula,
os templos poderão ser fechados. Declarações
sobre aborto também fazem parte da pregação.
"A gente não consegue ir a uma igreja em
que não falem de política no fim do culto, em
que não demonizem a esquerda", diz a professora,
que faz uma peregrinação de templo em templo
em busca de algum lugar com neutralidade política.
Para ela, há idolatria a Bolsonaro, "como
se ele fosse um Deus".
E quem pensa o contrário acaba sendo escanteado.
"Eles vão te colocando de lado, te tirando
de cargos e funções", diz ela. "Você
não é bem-vindo se não votar em Bolsonaro."
O auxiliar administrativo Matheus Rocha, 23,
de Iporã, no interior do Paraná, também sentiu
o mesmo gelo na igreja pentecostal que frequentava.
"Em um domingo, o pastor falou que deveríamos
votar em Bolsonaro para não sermos impedidos
de pregar amanhã", diz ele.
"Nesse dia, não fui ao culto e repostei
(nas redes sociais), por acaso, uma publicação
de um pastor e teólogo que acompanho e que não
apoia o presidente. Quando os membros da igreja
viram, acharam que eu estava afrontando meu
pastor", contou.
Rocha passou a ser confrontado pela igreja.
Primeiramente, foi um parente do pastor. Depois,
aos poucos, outros membros passaram a tratá-lo
diferente, com frieza.
"O pessoal começou a não me cumprimentar
com a 'paz do Senhor'. Viraram a cara mesmo.
A panelinha fechou e eu e minha esposa ficamos
jogados para escanteio. Essa situação ficou
insustentável ao ponto de eu não conseguir mais
frequentar as reuniões".
"O pastor até procurou Rocha para uma conversa
depois do primeiro turno, mas o tom não foi
agradável, segundo ele.
"Ele falava que eu sofri uma lavagem cerebral.
Queria mudar minha cabeça, como se eu tivesse
de me arrepender da minha escolha política e
disse que eu estava indo na contramão de toda
a igreja", contou.
Ao final do papo, Rocha foi desligado como membro
da comunidade.
Os relatos são semelhantes aos de evangélicos
de outras denominações e em várias cidades do
país. Parte deles prefere não se identificar
por medo de retaliações.
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A auxiliar de escritório
Gilda (nome fictício), de 39 anos, diz que desde
criança frequentava uma igreja evangélica no
bairro onde mora, em Belo Horizonte. Há um ano,
o templo foi fechado depois que o pastor se
opôs à presença de um candidato a deputado.
Ela até tentou frequentar outra igreja, mas
não conseguiu porque o templo batista próximo
de onde mora passou a ser dominado por pregação
política. A mãe, evangélica fervorosa há décadas,
também não tem ido à igreja por causa do alinhamento
político.
"Se você é da esquerda, não vale nada",
diz ela. Gilda tem posicionamentos alinhados
com os da igreja em alguns pontos, como ser
contrária ao aborto, mas não defende Bolsonaro.
"Falam que você não é crente."
A faturista Mariana (nome fictício), de 32 anos,
também foi tachada de "não crente"
por amigos de uma igreja da qual se afastou
quando publicou nas redes sociais uma mensagem
de apoio a Lula nas eleições.
Amigos evangélicos de longa data e até o pastor
deixaram de segui-la. O caso é relatado sob
lágrimas -para evangélicos, estar em contato
com outras pessoas dentro da igreja faz parte
da fé.
"A gente sente a presença de Deus em todo
lugar, mas é diferente quando está na igreja,
com pessoas que ama", diz ela, que frequenta
o templo desde criança. "Sinto falta."
Fiéis que deixaram suas igrejas por pressão
política buscam templos em que a política partidária
não entre na pregação.
O pastor Valdinei Ferreira, da primeira igreja
presbiteriana independente de São Paulo, diz
receber evangélicos que não se sentem mais acolhidos.
Uma delas chegou a fazer uma manifestação por
escrito contra o templo que frequentava anteriormente.
Ele afirma não tolerar campanha para nenhum
candidato dentro do templo - por isso, a igreja
atrai fiéis incomodados em outras denominações
-mas também diz sofrer pressão.
"Recebi um telefonema de assessor dizendo
que o candidato (a deputado) iria à igreja,
se eu poderia chamá-lo à frente para fazer uma
oração", conta Ferreira. A reza seria para
que fosse bem sucedido na campanha. Ele negou.
Enquanto alguns buscam outros templos, há evangélicos
que pararam de frequentar qualquer igreja e
esperam ser possível retomar o contato depois
do segundo turno das eleições.
Demax Silva Sarmento, 42, por exemplo, não encontrou
em Belém, onde mora com a família, uma comunidade
que não replicasse o discurso político e moral
que o incomodou.
O estopim para que deixasse a igreja batista
foi algo chamado de "clamor pela nação"
-que, na avaliação dele, soava como um clamor
em prol de Bolsonaro.
"Era um discurso de medo, comunismo, fechamento
de igrejas, aborto e esses temas. Eu me senti
coagido dentro da minha própria comunidade."
Por enquanto, ele pensa em voltar à igreja depois
do fim das eleições e diz que não tem medo de
sofrer algum tipo de represália. "Se ocorrer,
com toda certeza sairei da comunidade."
Por FOLHAPRESS - 24/10/22
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