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(FOLHAPRESS)
- Embora uma eventual responsabilização por
crimes supostamente cometidos pelo ex-presidente
Jair Bolsonaro (PL) dependa do Ministério Público
e do Judiciário, à frente do Executivo Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) pode contribuir para
o surgimento de vias de investigação contra
o antecessor e ex-integrantes do governo.
O primeiro passo nesse sentido foi dado após
a posse, neste domingo (1º), com a determinação
de Lula para que a CGU (Controladoria-Geral
da União) reavalie em 30 dias os sigilos da
gestão Bolsonaro.
Como mostrou reportagem da Folha, há uma avaliação
de que a LAI (Lei de Acesso à Informação) foi
distorcida durante o governo, o que pode ter
ocultado eventuais crimes.
Para especialistas ouvidos pela reportagem,
a depender das conclusões, a revogação poderá
subsidiar novos inquéritos contra a gestão Bolsonaro.
Emilio Peluso Neder Meyer, professor de direito
constitucional da UFMG (Universidade Federal
de Minas Gerais), diz que os gastos com cartão
corporativo e a motivação de atos administrativos
podem, eventualmente, gerar a responsabilização
de Bolsonaro no futuro.
Para isso, é preciso que haja a abertura de
um inquérito, a denúncia pelo Ministério Público
e a condenação pelo Judiciário, com o direito
à ampla defesa.
Meyer acrescenta que a análise sobre a revogação
de sigilos deve ser feita com base na própria
LAI e não por critérios políticos.
Caso apareçam provas de delitos do governo,
a Polícia Federal poderá ser acionada para abrir
novas frentes de investigação contra Bolsonaro.
A instituição é subordinada ao Ministério da
Justiça, chefiado por Flávio Dino, mas tem autonomia
para investigar.
“Como qualquer tipo de polícia, a Polícia Federal
não precisa de provocação formal para agir,
basta que tome ciência. Como presidente da República,
Lula pode ordenar que o ministro da Justiça
determine que a Polícia Federal investigue”,
diz Túlio Vianna, professor de direito penal
da UFMG e advogado criminalista.
A professora de direito penal da USP Helena
Lobo afirma que, mesmo com certa liberdade,
deve haver mudança nos focos de atuação da Polícia
Federal, ainda que cada delegado seja independente.
Ela afirma acreditar que Lula atuará para fortalecer
a instituição, como fez no passado.
Para o professor de direito processual penal
da PUC-SP Cláudio Langroiva, apesar da tentativa
de interferência do governo Bolsonaro, a Polícia
Federal sempre foi uma instituição republicana.
Como exemplo, ele cita a conclusão da PF de
que Bolsonaro incitou crime e atentou contra
a paz pública ao associar a vacina da Covid-19
ao risco de contrair Aids.
O relatório, apresentado na última semana do
ano, é um dos cinco procedimentos contra o presidente
no STF (Supremo Tribunal Federal), todos sob
relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Como
Bolsonaro não tem mais foro especial, caberá
ao magistrado definir o destino desses inquéritos.
Apesar de investigado, Bolsonaro não foi denunciado
durante o mandato, algo que só poderia ser feito
pelo procurador-geral da República, Augusto
Aras.
Fora da Presidência, procuradores e promotores
poderão denunciar Bolsonaro por condutas do
mandato, aumentando as chances de responsabilização.
Lula, no discurso de posse, no domingo, afirmou:
“Não carregamos nenhum ânimo de revanche contra
os que tentaram subjugar a nação a seus desígnios
pessoais e ideológicos, mas vamos garantir o
primado da lei. Quem errou responderá por seus
erros”.
Raquel Scalcon, professora da FGV Direito São
Paulo e advogada criminalista, afirma que Bolsonaro
fez indicações para cargos centrais com o objetivo
de garantir a impunidade, o que mostra que Lula
pode agir de forma diferente e buscar o funcionamento
das instituições.
“É disso que ele deve se ocupar: garantir que
as instituições funcionem efetivamente, não
com suposta ‘revanche’. Se elas funcionarem,
veremos quem deve ser punido e por quê. O presidente
não pode reproduzir o que sofreu: o desvirtuamento
das instituições”, afirma.
A preocupação com o cenário de impunidade foi,
na avaliação dos especialistas, a motivação
dos gritos de “sem anistia” de petistas que
assistiram ao discurso de posse de Lula no parlatório
do Palácio do Planalto.
Professor de direito constitucional da UFPR
(Universidade Federal do Paraná), Miguel Godoy
afirma que a anistia é prevista pela Constituição
e pode ser concedida a pessoas para certos tipos
crimes pelo Congresso Nacional por meio de lei.
Caso isso ocorra, o presidente, por meio da
AGU (Advocacia-Geral da União), pode questionar
a constitucionalidade da lei perante ao STF
(Supremo Tribunal Federal).
Emílio Meyer, da UFMG, considera isso improvável.
“Ainda que haja uma parte do centrão ligada
ao ex-presidente Bolsonaro, essa lei dificilmente
seria objeto de aprovação no Congresso Nacional,
porque há uma questão de motivação política
que muda no contexto de um novo chefe do poder
Executivo”, diz.
Os especialistas descartam a chance de Lula
conceder a graça a Bolsonaro, a exemplo do que
fez o agora ex-presidente em 2021 para beneficiar
o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ).
A chance de o governo Lula deixar de agir diante
de provas que possam comprometer o ex-presidente
e integrantes de seu governo também é vista
como remota. Túlio Vianna afirma que além da
omissão, para caracterizar o crime de prevaricação
é preciso provar comprovar que o agente foi
beneficiado.
FOLHAPRESS, por Géssica Brandino
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