Quando o empresário Elmano Castro anunciava
a próxima circulação do jornal Tribuna da Bahia,
lá no final da década de 60 do século passado,
o comentário mais comum que se fazia, naquela
Salvador ainda muito provinciana, era o de que
a iniciativa não duraria muito nas bancas.
Bem, lá se vão 40 anos de circulação ininterrupta
da Tribuna da Bahia.
Como se vê, o tempo passou e sepultou as previsões
pessimistas das “cassandras” locais. Aliás, empreender
na Bahia, naqueles tempos, era tarefa difícil,
quase um sacrilégio. Dizia-se, então, que a Bahia
era terra do já teve ou, no máximo, lugar que
ainda viria a ter, pois, naquele presente, muito
pouco acontecia...
Era preferível adotar uma atitude mais patrimonialista
com o dinheiro do que arriscar capitais em empreendimentos.
Essa conversa sobre o papel social do dinheiro
era papo de economista, de intelectual ou de empresário
taxado de oportunista. Assim, por prudência acumulativa
da burguesia endinheirada, quase nada se fazia
na Bahia.
Em outubro de 1969 a Tribuna da Bahia afinal circulava.
Enquanto terminava a construção do prédio da rua
Djalma Dutra e eram instalados os equipamentos
que fariam do jornal o primeiro, no Brasil, a
ser impresso no sistema off-set, uma redação era
formada para editar a nova publicação.
A Tribuna da Bahia foi um extraordinário sucesso
nas bancas, com a equipe de redação montada e
dirigida pelo jornalista Joaquim Quintino de Carvalho.
Era um produto editorial completamente diferente
que chegava ao mercado, adotando uma linguagem
redacional moderna, aliado a um padrão gráfico
inovador e a tratamento diferenciado na abordagem
das notícias.
O diário era tão avançado que os próprios donos
não compreendiam muito bem, num tempo em que os
demais jornais tratavam o papa, por exemplo, como
Sua Santidade. Nenhum redactor dos então jornais
locais cometeria a heresia de iniciar uma notícia
escrevendo assim: “O papa Paulo VI fez isso ou
aquilo”. Não, começavam assim: “Sua Santidade,
o eminente Papa Paulo VI...” e lá se iam circunspectos.
Um dia Elmano Castro reuniu Quintino e mais alguns
de nós para reclamar do que considerava liberdade
excessiva nos claros da diagramação moderna e
no estilo direto e despojado de redação, nos informando
que um grande jurista baiano – por acaso meu parente
- estava esperando o dia em que o jornal aboliria
toda e sem cerimônia e chamaria o papa logo de
Paulinho...
Além de arredio aos conceitos jornalísticos então
aplicados, a Tribuna da Bahia começava a circular
em plenos anos de chumbo, tendo de conviver com
a censura imposta aos veículos de comunicação
pelo regime militar, com uma redação formada,
na sua grande maioria, por novos jornalistas liberais
ou mesmo engajados nos movimentos de esquerda.
Comandava a Polícia Federal, na Bahia, o coronel
Luis Arthur de Carvalho. Muito diferente da PF
de hoje, naquela época essa corporação policial
era uma polícia política que, dentre outras funções
de repressão às liberdades, cumpria as determinações
restritivas ao funcionamento da imprensa. Durante
muitos períodos, a Tribuna da Bahia era editada
em pleno cerco de policiais.
Era tão comum que chegou a acontecer até certa
liberalidade entre as partes. Houve um dia em
que o coronel Luis Arthur, que era baiano, entrou
na redação e fez uma reclamação bem humorada a
todos nós:
- Pessoal, a Bahia é uma terra linda, cheia de
praias, boa para curtir a vida e vocês ficam me
forçando a trabalhar! Façam como os outros jornais,
que não me dão muito trabalho...
E, afastando as mãos para fazer uma simulação
de medição, concluiu:
- A pilha de processos do jornal tal é desse tamanho
– e aproximava as mãos bem perto uma da outra.
- A pilha de processos do jornal qual é dessa
altura – e mais uma vez trazia as mãos bem próximas
uma da outra.
Até arrematar:
- Já a pilha de processos contra a Tribuna da
Bahia é enorme! – demonstrava o militar abrindo
os braços ao máximo e dizendo que eram várias
medidas daquela...
A gargalhada foi geral e ria muito da situação,
principalmente, o próprio coronel.
Era esse o espírito daquela redação comandada
pelo inesquecível editor-chefe Quintino de Carvalho,
o grande responsável pela modernização da imprensa
baiana.
Longa vida à Tribuna da Bahia! |