Com cerca de 40,5
milhões de eleitores e uma hegemonia política
de candidatos petistas há duas décadas, o Nordeste
se tornou o maior desafio para adversários do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nessa
campanha de 2022. Pesquisa do Ipec, divulgada
em 14 de dezembro, aponta números muito superiores
de Lula em relação aos outros pré-candidatos na
disputa pela preferência do eleitorado da região.
Segundo dados do Ipec, Lula tem 63% das intenções
de votos no Nordeste. O presidente Jair Bolsonaro,
que vai concorrer à reeleição, aparece com 15%.
Ciro Gomes, com base política no Ceará, atinge
6%; Sérgio Moro, 3% e João Doria, 2%. Bolsonaro
é rechaçado por 66% dos eleitores do Nordeste.
Na prática, esse cenário confirma uma situação
que se repete há praticamente duas décadas e tem
exercido grande peso nas disputas presidenciais
desde então. Nas últimas cinco eleições, Lula,
Dilma Rousseff e Fernando Haddad foram os candidatos
mais votados no Nordeste. Desses, apenas Haddad
não chegou ao Palácio do Planalto, sendo derrotado
por Bolsonaro em 2018, num período em que Lula
estava preso.
Não foi à toa que o presidente transformou o Bolsa
Família, lançado no governo do PT, em Auxílio
Brasil. Além de ter um programa social para chamar
de seu, sob o rótulo de “maior do mundo”, Bolsonaro
sabe que a ajuda mensal de R$ 400 beneficia majoritariamente
moradores de Estados onde ele mais precisa de
votos. Mas pode ter perdido muitos pontos ao não
retornar de suas férias em Santa Catarina durante
a tragédia provocada pelas fortes chuvas na Bahia.
Segunda maior região em número de eleitores, atrás
apenas do Sudeste, o Nordeste se transformou numa
espécie de cinturão político do PT a partir da
primeira eleição de Lula, em 2002. Naquele ano,
o então candidato do PT ganhou em quase todos
os Estados no primeiro turno, com exceção do Ceará,
batido por Ciro, e de Alagoas, superado por José
Serra. Na segunda rodada, o petista só perdeu
em Alagoas para Serra. Em 2006, Lula venceu em
todo o Nordeste no primeiro e segundo turnos.
CAOS. Um cenário político como esse já seria complicado
para que Bolsonaro e outros candidatos conseguissem
melhorar o desempenho. No caso do presidente,
porém, a situação se tornou pior ainda por causa
da forma como ele vem lidando com as chuvas que
desabaram sobre a Bahia, o maior colégio eleitoral
da região, que já causaram 24 mortes e deixaram
milhares de pessoas desabrigadas.
Enquanto a Bahia vive situação de calamidade,
Bolsonaro aparece publicamente aproveitando suas
férias em São Francisco do Sul, em Santa Catarina.
Assim, enquanto a tragédia causou comoção nacional,
a atitude do presidente passou a imagem de indiferença
e de falta de solidariedade. A reação na opinião
pública não poderia ser pior para o presidente,
com pesadas críticas e mais desgaste dentro e
fora da região Nordeste. A hashtag #Bolsonaro
Vagabundo chegou a parar no topo das mais citadas
do Twitter.
Na primeira leva de chuvas na Bahia, há cerca
de três semanas, Bolsonaro até chegou a visitar
o Estado. Mas também foi criticado por, logo depois
de sobrevoar o sul do Estado, ter feito um ato
político, com carreata e discursos, na cidade
de Itamaraju.
“O presidente, infelizmente, não veio prestar
solidariedade, nem visitar o povo. Ele veio fazer
uma carreata, com 30, 40 carros, e mobilizou seus
fanáticos ali do extremo sul para ficar gritando
e fazendo ato político-partidário, além de agredir
repórter”, reclamou o governador da Bahia, Rui
Costa (PT), na ocasião.
Antes dessa crise, Bolsonaro apostava no impacto
eleitoral que o pagamento do Auxílio Brasil poderá
ter sobre os eleitores do Nordeste. Além disso,
ele ainda negocia a formação de palanques regionais
fortes para apoiar a campanha da reeleição.
Na Bahia, a ideia de Bolsonaro é lançar ao governo
o ministro da Cidadania, João Roma (Republicanos).
Deputado licenciado e ex-assessor de ACM Neto,
Roma comanda justamente a pasta que coordena o
pagamento do Auxílio Brasil. No Rio Grande do
Norte, os ministros Rogério Marinho (Desenvolvimento
Regional) e Fábio Faria (Comunicações) ainda decidem
entre si a qual cargo irão concorrer. Marinho
também pilota um ministério recheado de recursos
e muito ligado aos repasses das emendas do chamado
orçamento secreto do Congresso.
Na Paraíba, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga,
é um provável candidato ao governo ou ao Senado,
impulsionado pela exposição – muitas vezes negativa
– à frente das ações envolvendo a pandemia do
coronavírus. Em Pernambuco, o ministro do Turismo,
Gilson Machado, avalia também a possibilidade
de concorrer. E no Piauí, o ministro da Casa Civil,
Ciro Nogueira, conduz o processo para montar uma
candidatura competitiva no Estado.
Terceira via
Crescer no Nordeste é um desafio também para outros
candidatos. O ex-ministro da Justiça Sérgio Moro
pretende intensificar sua presença nos Estados
nordestinos a partir do início do ano. No começo
de dezembro, ele fez o primeiro movimento público
na região, já como précandidato, ao lançar seu
livro no Recife. Moro acabou dividindo opiniões
ao posar com um chapéu de sertanejo, repetindo
um costumeiro gesto feito por políticos em campanha
que tentam agradar aos eleitores locais. O governador
de São Paulo, João Doria (PSDB), que sempre lembra
ser filho de um baiano, também planeja ampliar
sua agenda na região.
Além de ter um grande recall entre os eleitores
do Nordeste, Lula conta também com uma forte base
política local. O PT governa quatro Estados (Bahia,
Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte).
Lideranças políticas locais avaliam que a hegemonia
petista no Nordeste pode ser rompida ou, pelo
menos reduzida, se os candidatos apresentarem
propostas que levem mudanças estruturais para
a região.
“Para conquistar o voto dos eleitores do Nordeste,
o candidato primeiro vai ter de falar a linguagem
da região, compreendendo a realidade do Nordeste,
as desigualdades do País. Não vai fazer isso só
oferecendo um programa que já chamou Bolsa Escola,
Bolsa Família e Auxílio Brasil”, disse ao Estadão
o presidente do PSDB, Bruno Araújo, que é pernambucano.
“Quem conseguir essa confiança estabelece uma
nova relação no Nordeste.”
Estadão
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