RIO
DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A disparada dos
preços combustíveis, intensificada pelos efeitos
da guerra na Ucrânia, está fazendo o brasileiro
repensar o uso do carro. Com o orçamento apertado,
parte da população decidiu deixar o automóvel
parado na garagem por mais tempo. Viagens longas
de lazer ficaram mais escassas nos últimos meses.
Na tentativa de economizar, a migração para o
transporte público, bicicleta ou até skate, quando
possível, também é uma opção que passou a fazer
parte da rotina.
O advogado Marcos Barbosa, 50, integra o grupo
que resolveu deixar o carro mais tempo na garagem
devido aos aumentos da gasolina.
Agora, o automóvel só é retirado de casa em situações
de maior necessidade, como saídas para compras
no supermercado ou na feira.
O morador de São Paulo também reduziu visitas
a familiares no município de Casa Branca (cerca
de 240 km da capital paulista).
As viagens, que antes eram feitas a cada 15 ou
30 dias, passaram a ocorrer, em média, a cada
três meses.
Barbosa trabalha em regime de home office. Mas,
quando há necessidade de saídas a trabalho durante
a semana, vem procurando usar o transporte público.
"Tenho carro, mas estou usando o mínimo possível",
relata. "Minha maior preocupação é com o
coletivo: um aumento tão forte nos combustíveis
é devastador", avalia.
A política de preços da Petrobras leva em conta
os preços do petróleo no mercado internacional.
Com a tensão criada após a Rússia invadir a Ucrânia,
a cotação da commodity teve disparada, pressionando
os combustíveis no Brasil.
Diante da situação, a estatal anunciou no dia
10 de março um mega-aumento nas refinarias. A
gasolina subiu 18,8%, o óleo diesel avançou 24,9%,
e o gás de cozinha teve alta de 16,1%. A elevação
já impactou preços nos postos de combustíveis
e nas revendas de gás.
O mega-aumento veio após os itens já terem engatado
fortes altas durante a pandemia. Só em 2021, a
inflação da gasolina para o consumidor final disparou
47,49%, conforme dados do IPCA (Índice Nacional
de Preços ao Consumidor Amplo). O item respondeu
pelo maior impacto sobre o IPCA no período.
Mudanças até no trabalho
Quem depende da gasolina para trabalhar é ainda
mais pressionado pela disparada. Ricardo dos Santos
Anunciação, 38, viveu essa realidade.
Até fevereiro, o morador de Taboão da Serra, na
Grande São Paulo, dividia-se entre a profissão
de motorista de aplicativos e o trabalho em uma
academia de ginástica –ele estuda educação física.
Com a carestia da gasolina, Anunciação decidiu
abandonar o volante.
"A principal fonte de renda vinha do trabalho
como motorista. Gostava muito da rua, mas ficou
inviável. A margem diminuiu muito nos últimos
tempos", lamenta o profissional, que alugava
um carro para trabalhar.
Anunciação atuava como motorista desde 2016. De
lá para cá, os custos praticamente dobraram, diz.
A alta da gasolina também afeta a rotina de Fabiana
Cherubini, 46, que exerce a função de oficial
de Justiça. A exemplo de colegas de profissão,
a moradora de Porto Alegre (RS) utiliza o carro
próprio para os deslocamentos do trabalho.
O problema, segundo ela, é que a verba indenizatória
paga à categoria ficou defasada e não dá mais
conta de cobrir as despesas com o combustível.
"Encho o tanque do carro todas as semanas.
Há uns dois anos, pagava uns R$ 100, um pouco
mais. Agora, a conta passa de R$ 300", afirma.
"A gente tem de desembolsar dinheiro do próprio
salário", completa.
O professor de história da arte Gabriel Costa,
27, tampouco ficou imune aos impactos da carestia.
Sua família teve de readaptar o uso do carro para
momentos de lazer e trabalho.
"Isso afeta o dia a dia. Por exemplo: passei
a frequentar uma academia mais perto de casa.
Em vez de usar o carro, vou até lá de skate",
diz o morador de Anápolis (cerca de 60 km de Goiânia).
A tentativa de economizar não para por aí. "Com
a gasolina mais cara, minha mãe, que também é
professora, pediu transferência para trabalhar
em um colégio mais próximo de casa", conta
o jovem.
Costa ainda lamenta que as tarifas das corridas
de aplicativos de transporte ficaram mais altas
em meio ao avanço dos combustíveis. Ele usa as
plataformas para ir ao trabalho.
"No final do ano passado, pagava R$ 11, R$
12 ou R$ 13, em média, para ir trabalhar. Hoje,
o valor está entre R$ 19 e R$ 21", afirma.
Risco de efeito cascata
Após o mega-aumento dos combustíveis deste mês,
economistas passaram a projetar uma inflação mais
alta para 2022.
Além dos efeitos diretos para o consumidor com
a gasolina mais cara, há perspectiva de impactos
indiretos devido ao reajuste do óleo diesel, pontua
o economista Matheus Peçanha, pesquisador do FGV
Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação
Getulio Vargas).
O diesel é usado em caminhões e ônibus, responsáveis
pelo transporte de cargas e passageiros.
"A inflação de custos até vinha dando uma
estabilizada, mas agora devemos ter o retorno
dela", diz Peçanha.
"O diesel tem grande poder de disseminar
aumentos. É o combustível para fretes, agricultura
mecanizada e transporte público. Pode gerar um
efeito cascata", acrescenta o pesquisador,
que projeta IPCA de 7,5% ao final de 2022.
A disparada de itens como a gasolina e o diesel
provoca dor de cabeça para o presidente Jair Bolsonaro
(PL), que deve tentar a reeleição neste ano e
teme os impactos da perda do poder de compra do
eleitorado.
Recentemente, Bolsonaro criticou a Petrobras e
defendeu mudanças na política de preços da estatal.
O presidente chegou a cobrar uma redução nos valores
dos combustíveis após o petróleo dar sinais de
trégua no mercado internacional.
A companhia, por sua vez, divulgou nesta sexta-feira
(18) um comunicado em defesa de sua política de
preços. A Petrobras indicou que a grande volatilidade
no mercado externo impede ajustes neste momento.
"A Petrobras tem sensibilidade quanto aos
impactos dos preços na sociedade e mantém monitoramento
diário do mercado nesse momento desafiador e de
alta volatilidade, não podendo antecipar decisões
sobre manutenção ou ajustes de preço", diz
o texto.
POR FOLHAPRESS
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